sexta-feira, 28 de junho de 2013

CONTRIBUIÇÕES SOBRE O MOMENTO POLÍTICO: ARTIGO DE GUILHERME CARVALHO

PROVOCANDO CHOQUE DE IDÉIAS: CINCO QUESTÕES SOBRE OS PROTESTOS NO BRASIL

O Brasil passou a vivenciar uma onda de protestos que a cada dia agrega mais pessoas e atinge um número cada vez maior de localidades. Apresento abaixo cinco questões que me parecem importantes para a análise dos recentes acontecimentos.

1. A direita perdeu a batalha da comunicação

O início das mobilizações dos jovens sofreu duros ataques dos principais grupos corporativos de comunicação. Os editorias do Estadão e da Folha de São Paulo serviram de senha para a bestial repressão da Política Militar comandada pelo tucano Geraldo Alckmin (PSDB) que, exercida de forma indiscriminada, atingiu manifestantes, jornalistas, transeuntes, jovens, idosos e outros. O/A Globo, Veja e seus articulistas – os nefastos Arnaldo Jabor e Reinaldo Azevedo, entre eles – usaram toda sua verve para desqualificar e criminalizar o movimento. O comentário de Jabor no Jornal da Globo foi fascista, digno de aplausos de agentes da ditadura.



Entretanto, quando começaram a ser veiculadas pela internet os abusos cometidos pelas forças da repressão, quando os próprios profissionais da “grande” imprensa passaram a ser vítimas da ROTA, quando a mídia internacional e as organizações de direitos humanos passaram a fazer duras críticas ao comportamento da Polícia Militar, e quando alguns setores passaram a defender abertamente a extinção dessa força policial, o quadro começou a mudar substancialmente.


Arnaldo Jabor, por exemplo, fez mea culpa na Rádio CBN desculpando-se por não “ter entendido” que a luta dos movimentos não se resumia aos R$ 0,20, e que eles poderiam ser a oportunidade de oxigenação da sociedade brasileira a “combater todos os males que nos afligem”: a corrupção, a inflação, o “mensalão”, os privilégios, a lentidão das obras do PAC, os aeroportos lotados, a elevada carga tributária, a PEC 37 e por aí vai. Os jornais passaram a falar abertamente de “brutal repressão” e as emissoras de televisão passaram a defender o direito constitucional de livre manifestação. Por que ocorreu tal mudança? Uma das respostas possíveis é que a direita perdeu a batalha da comunicação. E, sem dúvida alguma, a internet muito contribuiu para que isso ocorresse. Perdida a batalha era preciso alterar a posição sem que isso evidenciasse a própria derrota. Esse fato demonstra o definhamento do monopólio da comunicação? Sim e não. De fato, hoje temos muito mais recursos para combater a visão parcializada dos grandes grupos de comunicação defensores do status quo e da democracia sem participação efetiva. Contudo, é muito prematuro afirmarmos que Marinhos, Frias, Mesquitas, Maioranas, Barbalhos, Calderaros, Sarneis, Sirotskis e outros perderam a capacidade de impor sua agenda política, econômica e ideológica à sociedade brasileira. Há ainda muito chão para ser trilhado…

2. Perdida a batalha da comunicação a direita tentará definir os rumos das mobilizações

No início das mobilizações uma das principais críticas de governos e dos conglomerados de comunicação era de que o movimento não tinha rumo, era uma “colcha de retalhos”, não possuía uma pauta definida. Pois bem, observando o reposicionamento desses setores frente à ocupação das ruas de diferentes cidades por milhares de pessoas uma coisa fica patente: A ordem agora é tentar desviar esse caudaloso rio para se confrontar com o governo federal. Enfim, é tornar o governo Dilma e o PT os principais inimigos dos manifestantes e o estuário do descontentamento popular. Leia atentamente os editorais dos principais jornais do país, preste atenção nas falas dos principais porta-vozes da mídia corporativa, dos tucanos e dos demos, ou a defesa do representante da Secretaria Estadual de Segurança Pública de São Paulo para que os manifestantes canalizem sua ira contra o “mensalão” – o petista, bem entendido, não o tucano. Todos agora estão com os olhos voltados para os resultados das próximas pesquisas de avaliação do governo e de Dilma Roussef

3. Como não tem direção?

É hilário assistir as posições dúbias do governo do Estado de São Paulo e da prefeitura paulistana, aos debates na Globonews e em outros programas de entrevistas, assim como a recente entrevista do sociólogo tucano Bolivar Lamounier ante ao que está ocorrendo nas ruas. O principal problema para eles é a ausência de uma direção, de um interlocutor (re)conhecido pelo aparelho de Estado. Ora, as manifestações que ocorrem no momento agregam insatisfações de diversas ordens. Por outro lado, diferentemente de outras experiências elas são marcadas pela participação horizontal, envolvem milhares de pessoas – principalmente de jovens – que simplesmente resolveram posicionar-se contra aspectos que eles consideram ruins para si e para a sociedade.

Além disso, as formas de mobilização agregaram recursos tecnológicos como a internet de maneira muito interessante. O problema é que o Estado – mas, digamos a verdade, nem os partidos de esquerda – sabe lidar ao certo com essa “nova realidade”. Essa vai ser a característica das mobilizações de massa de agora em diante? Não é possível afirmar categoricamente. Todavia, as manifestações parecem demonstrar aos setores empenhados em realizar mudanças estruturais na sociedade que suas metodologia/concepções de organização e de mobilização social estão defasadas….

4. O outro lado: A criminalização da política

Participando da manifestação ocorrida aqui em Belém percebi em vários momentos as pressões exercidas pela grande maioria dos(as) jovens contra integrantes de partidos políticos como o PSTU, o PSOL e o próprio PT presentes no ato. Tal fato, ao que parece, não é uma característica de Belém, mas tem ocorrido em todos os outros protestos espalhados pelo país. A política – e não estamos tratando exclusivamente da política partidária – vem sendo sistematicamente criminalizada. É um elemento constitutivo do sistema de dominação em escala global. É preciso criminalizar a política, torná-la suja aos olhos da população, como algo ruim, que só serve para beneficiar um punhado muito pequeno de pessoas e grupos. A esse respeito sugiro a leitura de algumas das produções de Slavoj Zizek (Bem-Vindo ao Deserto do Real) e de Michel Lowy (Os irredutíveis: Teoremas da resistência para o tempo presente).

No Brasil, temos tido fartos exemplos dessa criminalização: Os comentários depreciativos de Joaquim Barbosa e de outros membros do Supremo Tribunal Federal (STF) contra os partidos políticos e a política em geral, as perseguições contra os que fazem renhida oposição ao modelo hegemônico de desenvolvimento, a imposição do discurso do progresso como elemento justificador do modelo etc. O problema, por mais paradoxal que possa parecer, é que a criminalização ocorre tanto pela direita quanto por uma certa “esquerda”. Esta agora mais afeita à “busca de consensos”, a “extirpação dos conflitos sociais” e às saídas técnicas/tecnológicas a problemas cruciais da humanidade – a crise ambiental, por exemplo.

5. O PT está sendo forçado a sair da sua “zona de conforto”

Uma consequência maravilhosa da efervescência das ruas é a de ter colocado o PT “contra a parede”, de tê-lo tirado de sua “zona de conforto”. O desenvolvimentismo econômico no estrito limite do modelo hegemônico se tornou a utopia do partido, devidamente associado a uma estratégia de compensação social que, se de um lado, retirou milhões de famílias da sua condição de miséria extrema a partir fundamentalmente do consumo; de outro, não se mostrou capaz de reverter a indecente concentração de renda e da propriedade no país.

Crescentemente apartado dos movimentos sociais que lutam contra o modelo hegemônico de desenvolvimento, o PT tem buscado consolidar alianças com segmentos conservadores da sociedade, como a Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Hoje, o agronegócio – o Partido da Terra – é que dita os eixos estruturantes da agenda governamental, interna e externamente. Militantes históricos estão sendo perseguidos, criminalizados. As mobilizações que ocorrem no país podem mostrar ao PT que o seu descolamento das forças vivas da sociedade empenhadas em realizar mudanças estruturais foi o seu principal erro estratégico. Talvez perceba que a banda está passando e somente ele não vê.

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